quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PASSA O RODO

O documentário dirigido por Alessandro Taques mostra a vida das pessoas que vivem nos sinais da Cidade Natal a limpar os parabrisas dos carros com rodo e água.

Os Coordenadores da Organização Mutirão Luciano Falcão e Nicole Bernardi foram entrevistados e apresentaram os problemas conforme suas áreas de formação, o direito e a nutrição.

Recomendamos o vídeo que pode ser acessado no link http://www.youtube.com/watch?v=hmtRJOK44XU .

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Decisão da Justiça Federal do RN beneficia QUILOMBO DE ACAUA

Demorou mas foi totalmente positiva a senteça que julgou o mérito da ação proposta por fazendeiro com o objetivo de anular a Portaria INCRA nº 91/2008, que reconhece e declara os limites do Território Quilombola de Acauã. 


A senteça do processo nº 0007538-95.2008.4.05.8400 (2008.84.00.007538-4) pode ser consultado no site da Justiça Federal do RN (www.jfrn.jus.br).

Fomos intimados da senteça no dia 13/01/2012 e, na oportunidade, aproveitamos para orientar nossa estagiária, Maria Lidiane Apolinário da Silva, Quilombola de Acauã e primeira pessoa da comunidade a ingressar no ensino superior, a passar na 4ª Vara Federal e providenciar cópia da decisão.

Segue adiante parte da senteça:


PROCESSO N.º: 2008.84.00.007538-4 - CL
S E N T E N Ç A
EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS. IDENTIFICAÇÃO, DEMARCAÇÃO E DESAPROPRIAÇÃO DE TERRAS. PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. REJEIÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PORT DA COMUNIDADE ACAUÃ. PROVA RAZOÁVEL DA RIMINISCÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE VERSUS DESAPROPRIAÇÃO. INTERESSE PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA.
- É garantido o direito de propriedade, atendida a sua função social e as limitações previstas constitucionalmente para  Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, através do INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas, sem prejuízo da competência concorrente dos Estad de auto-atribuição, relacionada à resistência contra a opressão histórica reconhecida constitucionalmente.
- São terras remanescentes de quilombos aquelas utilizadas pelo grupo e as necessárias para garantia de sua reprodução física, social, econômica e necessários à sobrevivência e desenvolvimento de comunidade remanescente de quilombo, título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, estará presente o interesse público necesnização em dinheiro, sendo legitimada a União, através do INCRA, para o processo expropriatório respectivo.
- Hipótese em que os elementos do procedimento administrativo indicam motivação suficiente para embasar o ato de identificação, reconhecimento, del.º 4.887/03, em face:
a) da autoaplicabilidade do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT 1988; 
b) dos preceitos constantes do texto permanente da Constituição; e 
c) da Convenção OIT n.º 169, da qual o Brasil é signatário; vem vi INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, visando à suspensão da eficácia, até o julgamento final da ação, da Portaria INCRA n.º 91, de 19 de março de 2008, que reconheceu como terra quilombola parte da Fazenda Maringá, de propriedade dm 2004, a procedimentos de vistoria, identificação e demarcação de terras de interesse da "Comunidade Quilombola de Acauã", culminando com o reconhecimento, através do ato administrativo impugnado, de parte da Fazenda Maringá, de sua propriedade, como áreata que a terra em questão jamais foi ocupada pelos moradores de Acauã, não se justificando o processo de titulação. Argumenta que a propriedade vem cumprindo sua função social, desenvolvendo atividade pecuária extensiva e, por se tratar de média propriedadao ponto; 
d) envolver a hipótese de desapropriação não prevista na ordem jurídica nacional; 
e) viciado o critério de definição dos titulares do direito à titulação; 
f) que o decreto daria poderes de atribuição, aos próprios integrantes da comunidade, de rede tutela foi indeferido (fls. 802/804). Inconformado, o autor recorreu da decisão, conforme o comunicado de fls. 807/831.

O INCRA, em contestação (fls. 834/860), requereu, de forma preliminar, o ingresso na lide da Fundação Palmares, bem como a audnvenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT e de seu conceito de "auto-atribuição" como lei ordinária no Brasil; d) a regularidade e legalidade do procedimento administrativo que culminou com a edição da Portaria INCRA n.º 91/08, bem com a referida propriedade produtiva ou de se tratar de pequena ou média dimensão; f) a realização do exame da cadeia sucessória da propriedade objeto da lide em novo processo administrativo, no qual será definida a sua forma de aquisição; g) enfim, a improcegião comunicou o deferimento de efeito suspensivo à decisão denegatória de suspensão dos efeitos da Portaria sob exame (fls. 2.156/2.157).
      A AMQA ofereceu contestação (fls. 2.163/2.215), com preliminar de impugnação ao valor da causa indicada na inica (fls. 2.356/2.363).
      Realizada audiência de instrução (fls. 2.4052.406), indeferindo o Juízo inspeção judicial (fl. 2.411).
      Razões finais pelo autor (fls. 2.413/2.431), no que se seguiu as alegações da AMQA (fls. 2.484/2.507) e do INCRA (fltor ingressa com petição e documentos de fls. 2.594/2.616, trazendo cópias de parecer ministerial e da decisão do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, no Agravo de Instrumento n.º 90.324 RN, que reformou a decisão denegatória da antecipação de tutela n, decido.
 
II - FUNDAMENTOS       A pretensão do autor visa à suspensão da eficácia, e, em sentença final, a declaração de nulidade da Portaria INCRA n.º 91, de 19 de março de 2008, que reconheceu como território remanescente de quilombola a Comunidade Aato de esbulho ou desintrusão em relação à referida Fazenda.
      Reitero, preliminarmente, as decisões de fls. 2618 e 2647, que acolheram a pretensão do INCRA para integrar a Fundação Palmares ao polo passivo da demanda, ratificando os fundamentos nelasio, corrigir aquele consignado na petição inicial, mormente quando apresenta grande discrepância com o valor real da causa. Pelo mesmo motivo, pode ser acolhida a impugnação do réu, ainda que não autuada em apenso, mas aduzida em preliminar de contestação"conômico, ou, pelo menos, sem equivalência próxima com esse valor. Ademais, a impugnação se apresenta em termos por demais genéricos, sem elementos mínimos para convencimento quanto à insuficiência ou a ser irrisório o valor atribuído à causa pelo autor.
rra rural", nem de causa "em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte". Na verdade, trata-se de simples pretensão à anulação de ato administrativo, cujo objeto não atrai a incidência do dispositivo citado. Também nãoreliminares, passo ao exame do mérito.
      A controvérsia dos autos, embora veicule subjacentemente resistência ao reconhecimento da Comunidade Acauã como remanescente de quilombola, diz respeito essencialmente à legalidade do procedimento que resultou e no sentido da nulidade da Portaria INCRA n.º 91, de 19 de março de 2008 (Diário Oficial da União em 20 de março de 2008 - fl. 350), são os seguintes:
      a) não caracterização da Comunidade Acauã como remanescente de quilombola no laudo antropológicoocesso de titulação;
      c) inconstitucionalidade do Decreto n.º 4.887/03, por necessidade de edição de lei formal para a regulamentação da Constituição quanto ao ponto, afrontando esse ato normativo o direito de propriedade; por envolver hipótese de denviabilidade de desapropriação de média propriedade que vem cumprindo sua função social, com atividade pecuária extensiva, protegida constitucionalmente;
      A Portaria INCRA n. º 91, de 19 março de 2008 (fl. 350), no que importa considerar, tem o seguinado com o inciso XV, do art. 110, do Regimento Interno do INCRA, aprovado pela Portaria/MDA/N.º 69, de 19 de outubro de 2006, e
      "Considerando o disposto no artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como o contido nos ArtiConsiderando os termos do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID, relativo ao território da Comunidade Remanescente de Quilombo ACAUÃ, elaborado pela Comissão instituída pelas Ordens de Serviço n.º INCRA/G/SR-19/RN n.º 052/2006; n.º INCRA/nde do Norte, que aprovou por unanimidade o citado Relatório Técnico; e
      "Considerando, por fim, tudo o quanto mais consta dos autos do Processo Administrativo INCRA/SR-19/RN n.º 54330.001908/2004-60, resolve:
      "Art. 1.º Reconhecer e declarar cão respectivamente, 12.676,36 m e 7.512,40 m, acham-se descrito no memorial descritivo que acompanha a presente portaria.
      "Art. 2.º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação".
      Para melhor compreensão da lide, e rememorando que a Carlos Guilherme Octaviano do Valle (v. Estudo Antropológico de fls. 1.078/1.462):
      "A maior parte das famílias que atualmente vivem na Comunidade de Acauã foi atingida pela construção da Barragem de Poço Branco, iniciada no fim da década de 1950 e cipal e a atual Acauã. Através de negociação com o prefeito e os diretores da obra da Barragem, as famílias de Acauã conseguiram uma área de terra onde vivem ainda hoje (por volta de 4 hectares). Na ocasião, dezesseis famílias foram alocadas no lugar, a penbalho forçado. As versões deste momento originário envolvem também a chegada dos antepassados das atuais famílias de Acauã. A memória genealógica reporta-se às três irmãs da família Santana, que casaram com José Gomes e Sebastião Rodrigues, iniciando, assiiviam como agricultores em terras das duas margens do Rio Ceará-Mirim, considerada como terras livres, sem dono, 'desimpedidas', portanto, 'terras do Estado'. O processo de concentração fundiária implicou no crescimento das 'terras aforadas', quais sejam, Com a inauguração da Barragem, as famílias de Acauã tiveram de se retirar dos locais onde vivam e plantavam. Desde então, as famílias passaram a arrendar terra para manutenção da autonomia econômica doméstica (cultivos de mandioca, feijão e milho). O trabaAcauã, algumas saíram. Outras vêm se mantendo, especialmente os Catarino, através do fortalecimento evidente de relações de casamento na parentela. Casamentos de primos paralelos e cruzados é (sic) bastante comum. Além disso, apadrinhamento é recorrente, fe em face do arcabouço normativo indicado pelas partes, quais sejam: a) a) a Constituição, arts. 215 e 216, e seu art. 68 do ADCT; c) a Convenção Internacional n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT; c) o Decreto n.º 4.887, de 20 de novembreremptória contemporânea aos fatos; ou de ocupação da Fazenda Maringá, ao menos em sua totalidade, por reminiscentes. Isso fica claro tanto em face da encomenda de estudo antropológico para investigar eventuais vestígios quilombolas na Comunidade Acauã, qulo qual é legítima sua desapropriação, no sentido de fazer parte do acervo de imóveis que dará suporte à subsistência da Comunidade Acauã" (cf. fl. 852 - v. tb. Parecer Técnico de fls. 1463/1472).
      A questão diz respeito, portanto, à idoneidade do Esprodutiva não ocupada anteriormente por descendentes de escravos, como área sujeita a desapropriação para fins de reforma agrária, ou, ainda, a possíveis vícios no Decreto n.º 4.887/03, para regulamentar a Constituição independente da edição de lei.
     do patrimônio cultural brasileiro (Constituição, arts. 5.º, incisos XXII e XXIII; e 216, caput e §§ 1.º e 5.º). Dispõe ainda, agora nas suas Disposições Transitórias, que "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é rs por remanescentes de quilombolas foram automaticamente reconhecidas como de propriedade desses grupos, cabendo ao Estado tão somente emitir-lhes os títulos para registro no cartório imobiliário.
      Dois problemas - aliás, três, como se verá mais adiaos autos - identificadas terras próximas necessárias à sobrevivência e desenvolvimento das comunidades quilombolas. No caso em exame, em que a Comunidade Acauã foi desajolada de suas terras tradicionais quando da construção da Barragem de Poço Branco e reaa de desapropriação indicada no procedimento.
      Embora aparentemente clara a determinação constitucional, a sua operacionalidade apresentou-se problemática tanto em face da complexidade da matéria, a envolver ponderáveis valores constitucionais, quant a Constituição de esclarecer qual o procedimento adequado à emissão dos 'títulos respectivos'", especialmente quando em conflito o direito de propriedade e os direitos étnicos também reconhecidos pela Carta àquelas comunidades. Em outras palavras: seria aras dúvidas a propósito da exegese deste dispositivo. Uma delas diz respeito ao instrumento apropriado para a viabilização do comando normativo em questão. Com efeito, alguns sustentaram que o próprio constituinte já teria operado a transferência da propris, ainda, como o demandante, haveria necessidade de lei para regular a matéria, não bastando a edição do Decreto n.º 4.887/03, não se justificando a desapropriação de terras estranhas às ocupadas pelos remanescentes de quilombolas, especialmente se posto eem seguida, se for o caso, analisar-se se a Comunidade Acauã se enquadra no conceito; a inclusão da Fazenda Maringá entre as terras a serem expropriadas para a realocação; a alegada inconstitucionalidade do Decreto n.º 4.887/03; e a possibilidade de uso da Federal Edmilson Pimenta, da Seção Judiciária de Sergipe,3 haveria uma noção preliminar, superficial, de que quilombolas seriam apenas as comunidades nascidas dos negros fugitivos, que se tivessem mantido desde a abolição da escravatura até a atual Constidos no Brasil. Portanto, as relações sociais e a manutenção de laços formais e informais nesse ambiente, inclusive os processos econômicos, são muito mais complexas do que a apresentada pela história como conceito geral, sendo desarrazoado pensar que as co com os quais se identificavam, em locais livres da dominação "branca"; outras, ainda, surgiram a partir de compra, doação ou apossamento de terras.4
      Em vista disso, a Associação Brasileira de Antropologia definiu o quilombo, depois de longa discusssquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica"; nem se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea nem "constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem de grupos q lugar de representarem os que estão presos às relações arcaicas de produção e reprodução social", passam a ser "reconhecidas como símbolo de uma identidade, de uma cultura e, sobretudo, de um modelo de luta e militância negra". Nesse sentido, "os laços daeação".6 Em outras palavras, do que se entende hoje como grupo étnico.7
      Conforme esclarece o profundo Estudo Antropológico de fls. 98/236, do Professor Doutor Carlos Guilherme Octaviano do Valle, trazido pelo autor, e também reproduzido às fls. 1080cauã". Em seus desdobramentos teóricos, a Antropologia reviu e descartou completamente o antigo conceito de 'aculturação', que supõe o processo gradativo de perda e assimilação cultural de um grupo étnico pela sociedade abrangente" (fl. 126).
      Para onto é de que a antropologia parte "da ideia de 'cultura' (Gertz, 1978; Kuper, 2002), vista como um sistema simbólico, normativo e de representações, que é duradouro, ou seja, tem persistência. Ao mesmo tempo, a cultura é dinâmica, o que implica, então, quede difícil objetividade e precisão (Levi Strauss, ibid)" (fls. 124). E isso porque "a antropologia é uma disciplina que tem insistido e se posicionado de modo enfático por uma interpretação não-racista das formas de organização social, inclusive as étnicasde colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se existem ou não uma comunidade de sangue efetiva (Weber, 2000; grifos meusrenciação social-identitária são fundamentais para a percepção de um grupo étnico", concepção que, de origem weberiana e aperfeiçoada por Fredrik Barth, "veio a tornar-se igualmente consensual na Antropologia" (fl. 125).
      Importante ainda na definiçãdentidade quando seus membros interagem com outros, disso decorre a existência de critérios para determinação do pertencimento, assim como as maneiras para assinalar este pertencimento ou exclusão. Os grupos étnicos não são apenas ou necessariamente basead"as 'fronteiras' e as 'identidades' étnicas devem ser, portanto, priorizadas para definição antropológica de um grupo étnico. Ou seja, aspectos culturais e territoriais podem ser importantes como 'critérios' de diferenciação étnica entre grupos que tem manos étnicos' seguindo, assim, a definição de Barth (Almeida, 2002; O'Dwyer, 2002). Eles devem ser estudados a partir das formas históricas de interação e contraste social mantidas com outros grupos e populações em nossa sociedade. Nesse sentido, qualquer abiferenciados" (fl. 126).
      A ausência de elementos mais concretos, portanto, quanto à descendência escrava ou a falta de prova material da existência de José Acauã não desqualifica a Comunidade como remanescente de quilombola. E não contradiz o recon vida econômica dispensava, em proporção séria, o auxílio do escravo (Cascudo, 1931:62)".9 Para Cascudo, aliás - diz ainda o Estudo (fl. 1112) - "o escravo africano prestaria muito mais ao trabalho agrícola nos canaviais e nas fazendas de café. Isso explicvasta escravaria" não significa dizer nenhuma escravaria; e registrar Ceará-Mirim como centro de alta percentagem de negros não contradiz a conclusão do Estudo quanto à reminiscência quilombola. Muito pelo contrário.
      Como bem assinalou o antropólog a suas observações de que o trabalho escravo e a presença de africanos foram insignificantes no Rio Grande do Norte. Sabe-se hoje que a presença de africanos e de seus descendentes deixou várias marcas na cultura potiguar, e que há muitas comunidades rurao "conceito tradicional de quilombo, ou seja, o de reduto de negros fugidos da escravidão (grifos do original)", considerando o "sentido recriminatório dado pelo Conselho Ultramarino em 1740: 'toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parteporaneamente, quilombo assume uma conotação afirmativa, das comunidades descendentes de escravos que sempre se viram obrigados a resistir contra muitos tipos de opressão, dominação e exploração no decorrer da história do Brasil, seja durante a escravidão, ode por em dúvida - continua - que a comunidade de Acauã é um grupo étnico, pois se encaixa naquilo que a Antropologia reconhece como tal. Possui um identidade própria, pautada em aspectos físicos e costumes peculiares, além de ter bem claro para si um condade. Além disso, Acauã é um grupo étnico-racial porque sua identidade étnica se caracteriza pela noção de que pertence à 'raça negra', ou seja, tem certos caracteres físicos que os distinguem enquanto grupo pertencente a uma raça diferente da população doto, enraizadas nas mentes individuais e nos hábitos e costumes coletivos. Estas divisões do mundo segundo identidades raciais são responsáveis por parte da estrutura de dominação que mantém certos grupos em piores condições de vida do que outros".
    Acresce não se pauta em aspectos 'objetivos' ou 'concretos'. Se os 'negros de Cunhã' se reconhecem como descendentes dos escravos que precisaram, de tantas e variadas formas, resistir à dominação do regime escravista e seus atuais vestígios, e se aos poucos são órica própria' da comunidade é um dos aspectos que a tornam única e justificam a necessidade de uma atenção especial ao grupo, pois qualquer intervenção externa, seja do Estado (ou do governo municipal ou estadual), seja de qualquer outro agente que detenhde privada), é acima de tudo uma forma de evitar a anomia no interior da comunidade, que cresce com o passar do tempo e não tem perspectivas melhores de vida do que se manter no local onde atualmente vive e praticar a agricultura.
    "A prática da agricultuconceder melhores condições de morada na região onde atualmente vivem e têm vivido, e não em outro local.
    "O atestado da história oral sobre a 'ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida' não pode ser descartado pela nidade, uma forma de resistir e legitimar sua condição de vida precária. A vaguidão dessa história não a torna menos real, pois ela não existe por acaso e demonstra a autoconsciência da comunidade quanto a suas condições miseráveis de vida e o fato de estaistórica sofrida', o que é evidente, notadamente, no episódio em que, quando morava na margem meridional do Rio Ceará-Mirim, teve suas casas inundadas pelas águas do mesmo rio, por ocasião da construção da Barragem de Poço Branco, e sei viu obrigada a se dfa de definir o homem, tal "definição pode ser um processo exigente, por vezes empreendido como regra ou norma prática apenas para satisfazer uma contingência específica".11 Isso, porém, não serve para desqualificar os estudos antropológicos, porque "As pr para o estudo da arqueologia, a obra citada refere que uma das formas de se ter uma visão íntima da vida de sociedades mais primitivas, fundadas em culturas tradicionais, consiste justamente, como no caso, em ver como esses povos se conduzem; e "a fonte ó potiguar de Poço Branco. Segundo o antropólogo, o livro "inclui uma descrição bastante próxima sobre a origem e história de Acauã" (fl. 106 do Estudo - fl. 1189 dos autos). Na nota 68 (fl. 111 do Estudo - fl. 1195 dos autos), o antropólogo diz que "No livcordo com Silva, Joaquim Sebastião teria nascido em Acauã e teria trabalhado no 'Vale do Ceará-Mirim' nos engenhos de cana-de-açúcar. Teria uma fama descomunal de lutador, tendo enfrentado e fugido da polícia diversas vezes. Era também muito amigo do pai dnco, provando suficientemente a reminiscência quilombola para os fins previstos na Constituição, restando, agora, examinar o alcance constitucional da concessão em face da proteção à propriedade.
      Como visto, a Carta garantiu o direito de propriedad pelas comunidades remanescentes de quilombos (ADCT, art. 68), e, ao outorgar esse direito, impôs também ao Estado o dever de proteção às "manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo res da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às mtários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação" (art. 216, § 1.º - grifou-se).
      O direito de propriedade eventualmente identificado ficou vinculado, portanto, em relação às terras tradici também se apresenta dificultada, e sua sustentabilidade autônoma é impedida, pois '... [...] as famílias de Acauã precisavam arrendar áreas de terra em locais vizinhos à comunidade, em seu entorno, mas igualmente em locais mais distantes (folha 398 dos auualmente arrendadas" (fl. 1.469 - o Parecer Técnico completo está às fls. 1.463/1472).
      Considera, pois, o referido Parecer, especialmente em face das circunstâncias que estão a inviabilizar a sobrevivência do grupo, que "a proposta apresentada no rpertenciam à Comunidade também sejam adquiridas como forma de recompor o território tradicionalmente ocupado por esta". Por isso, conclui que, "considerando que o art. 13 do Decreto n.º 4.887/2003 prevê a possibilidade de utilização do instituto da Desapro possibilidade se põe de pleno acordo com a Instrução Normativa INCRA n.º 20, de 19 de setembro de 2005,14 segundo a qual "Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos" (art. 4.º). Com efeito, seja para salvaguardar aos remanescentes as terras por eles efetivamente ocupadas (ADCT, art. 68), seja para outorgar-lhes aquelas necessárias à sobrevivênciade posse tradicional quanto a desapropriação ou outras formas de outorga (art. 216, § 1.º). É que a Constituição, nos pontos referidos, orienta-se numa perspectiva ampla, integral, para garantir aos remanescentes o pleno exercício de seus direitos em face  à literalidade do art. 68 do ADCT ? o que já seria suficiente; deve-se considerar ainda todo o sistema de proteção constitucional, em interpretação sistemática, visando à concretização do direito de sobrevivência física e cultural de tais comunidades, cuj lançando mão de todos os instrumentos para atingir o fim delineado na Carta, inclusive mediante desapropriação das terras particulares, locais ou adjacentes, para além de garantir a mera titulação ocupadas. Para tanto, levará em, à luz de Canotilho: a) a ordenação e combinação dos bens jurídicos aparentemente em conflito, com vistas a evitar a supressão total de uns em relação a outros.16
      A incidência do art. 68 do ADCT, portanto, deve se dar em perfeita sintonia com os arts. 215 e 216 do corpo perdade da aplicação. Por último, afigura-se perfeitamente possível - diria, mesmo, absolutamente necessário - a coordenação e combinação dos dispositivos em causa para efetivação de direitos, sob pena de violência a preceito fundamental.
      Mas ainda questituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5.º, § 2.º). A esse respeito, vale referir mais uma vez a Daniel Sarmento, para qalidade de outros direitos presentes dentro ou fora do texto constitucional. E o principal critério para o reconhecimento dos direitos fundamentais não inseridos no catálogo é a sua ligação ao princípio da dignidade da pessoa humana, da qual aqueles direitF) de pessoas carentes, que, na sua absoluta maioria, se desalojadas das terras que ocupam, não teriam onde morar. E o direito à moradia integra o mínimo existencial, sendo um componente importante do princípio da dignidade da pessoa humana. Mas não é só. tém a união do grupo, e que permite a sua continuidade no tempo através de sucessivas gerações, possibilitando a preservação da cultura, dos valores e do modo peculiar de vida da comunidade étnica.20
      "Privado da terra, o grupo tende a se dispersar eviolando o direito à moradia dos seus membros. Muito mais que isso, se está cometendo um verdadeiro etnocídio. Por isso, o direito à terra dos remanescentes de quilombo pode ser identificado como um direito fundamental cultural (art. 215, CF), que se liga ocialmente compartilhados.21 E nos grupos tradicionais, caracterizados por uma maior homogeneidade cultural e por uma ligação mais orgânica entre os seus membros, estes aspectos comunitários da identidade pessoal tendem a assumir uma importância ainda maiota de massas. Mutatis mutandis, romper os laços de um índio ou de um quilombola com o seu grupo étnico é muito mais do que impor o exílio do seu país para um típico ocidental.
      "Assim ? continua ?, é possível traçar com facilidade uma ligação entre osto necessário para a garantia da sua própria identidade. Não bastasse, não é apenas o direito dos membros de cada comunidade de remanescentes de quilombo que é violado quando se permite o desaparecimento de um grupo étnico. Perdem também todos os brasileila Constituição de 88 parte da premissa de que o pluralismo étnico e cultural é um objetivo da máxima importância a ser preservado e promovido, no interesse de toda a Nação. Diferentemente das Constituições anteriores, a Carta de 88 não partiu de uma visãoue compõem a nacionalidade brasileira. Portanto, pode-se afirmar que o art. 68 do ADCT, além de proteger direitos fundamentais dos quilombolas, visa também à salvaguarda de interesses transindividuais de toda a população brasileira.
      "Por tais razõescomo taxar de inconstitucional o Decreto n.º 4.887/03, muito pelo contrário. É que a doutrina e a jurisprudência têm admitido, para além do objeto categoricamente assegurado pelo art. 68 do ADCT, também garantir a preservação das comunidades quilombolas, aa legislação interna de um país existem duas teorias básicas: a) a Teoria Monista, propugnando pela existência de apenas uma ordem internacional: assim, os tratados celebrados entre Estados entrariam automaticamente no ordenamento jurídico de cada celebran e b) a Teoria Dualista, admitindo como distintos os ordenamentos internacional e interno, sendo necessária a aprovação e sanção do tratado como lei interna de cada país.
      Seja como for, simplesmente assinado o tratado internacional, conforme a Teorilo introdutor de normas ? tanto de estrutura (v. g., a Convenção de Viena), como de conduta ? entre os Estados celebrantes. No Brasil, a Constituição atribui competência ao Chefe do Executivo da União para celebrar acordos internacionais, exigindo, porém, do, pois, status e eficácia de lei ordinária, isso porque: a) o Brasil não adota a teoria monista em sua totalidade, mas apenas no que diz respeito aos tratados internacionais que versem sobre os direitos e garantias fundamentais (Constituição, art. 5.º, §vigência no País com status de lei ordinária, tem como pontos principais os seguintes:
      a) aplicabilidade "aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade naciou não quilombola (art. 1.º, item 2);
      c) responsabilidade dos governos no desenvolvimento de ações com vistas a proteger os direitos desses povos, assegurando direitos iguais aos demais membros do País como um todo, e de promover a plena efetividade cer os recursos necessários para esse fim" (art. 6.º, item 1, alínea "c");
      e) "Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverãoitem 1);
      f) quando impossível o retorno às terras tradicionalmente ocupadas, conforme determinado por acordo ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento adequado, os povos objeto da Convenção deverão receber, em todos os casos em que for ários nacionais deverão garantir aos povos interessados condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da população, inclusive a alocação de terras quando as áreas de que disponham sejam insuficientes para lhes garantir uma existência normal ou p de quilombolas, como "povos tribais". Há, nesse sentido, julgado recente do TRF - 4.ª Região,24 afirmando que "a Convenção nº 169-OIT deve servir de parâmetro para avaliar a disciplina do art. 68 do ADCT. A Convenção, por sua vez, plenamente aplicável aosonal, e que sejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou legislação especial'".25
      Aliás, a proteção jurídica às "populações tradicionais" não era estranha ao ordenamento nacional desde a edição da Lei n.º 9.985/00ra e promovendo-as social e economicamente" (art. 4.º, inciso XIII) e como uma das diretrizes básicas garantir a tais populações meios de subsistência alternativos ou indenização por recursos perdidos (art. 5.º, inciso X), também por isso autorizando a aplalho-me mais uma vez de decisão do eminente Juiz Federal Edmilson Pimenta, para quem "A edição de lei em sentido formal, em princípio, é desnecessária. Primeiro, porque quando se fez necessária lei em sentido formal- aqui incluída a possibilidade de medidaades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, a delimitação e à demarcação das terras por ele ocupadas e conferir-lhes a correspondente titulação' (art. 2.º, III, da Lei n.º 7.688/1988); 2) ao Ministério da Cultura a competência para "aprovar a delimitaç fruição do direito, desnecessária a edição de lei formal, podendo, pois, o procedimento ser regulamentado por decreto, na esteira do precedente do STF na ADIN 1.590/SP (rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 19-06-1997), segundo o qual 'suposta a eficácia plte ? conforme ainda Pimenta ? para a descaracterização, preliminar, da inconstitucionalidade. Ocorre que o Decreto questionado foi expedido em 20-11-2003, quando já estava em vigor, no âmbito normativo interno, a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial'. Destaque-se que o artigo 14 da Convenção 169 prevê expressamente o direito à propriedade das terras tradicionalmente ocupadas, além de conere suporte normativo para a edição do Decreto n.º 4.887/03. E a referida Convenção por versar sobre direitos humanos, desfruta de hierarquia supralegal na ordem jurídica nacional, em conformidade com a mais recente orientação do STF nesta matéria".27
   ítima, expedir regulamentos autônomos, quando houver direito de índole constitucional, previsto em norma autoaplicável, que o Poder Público deva promover ou preservar. Tal raciocínio se encaixa perfeitamente no caso do art. 68 do ADCT, tendo por certo que , nos moldes dos arts. 215 e 216 da Constituição.
      Assim, o Decreto n.º 4.887/03 tem fundamento na suficiência do art. 68 do ADCT, para regular os elementos contidos na norma, quais sejam: a) o objeto da proteção constitucional (a propriedade de territiva. Além disso, segue o Decreto n.º 4.887/03 as diretrizes da Convenção n.º 169 da OIT, especialmente no que tange ao conceito de autodefinição ou de autoatribuição de quilombola pela comunidade interessada. Obviamente, tanto a autoatribuição como a autnominar como tal, ou de se admitir essa autoatribuição como critério para se considerar os integrantes dessa comunidade no conceito de quilombolas.
      Possível a edição do Decreto n.º 4.887/03 para regulamentar a Constituição e a Convenção OIT n.º 169 suscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva"). É que não se trata, como é notório, de desapropriação po amparo constitucional, a previsão é de desapropriação por interesse social, não havendo impedimento em face das características da propriedade objeto da lide.
      Resta, pois, analisar os demais pontos indicados como inconstitucionais no referido Decrl representado pelas comunidades quilombolas, assegurando-lhes os meio de subsistência, inclusive mediante desapropriação, também prevista no art. 13 do Decreto n.º 4.887/03; e b) a Lei n.º 4.132/62, em seu art. 2.º, inciso III, estabelece a possibilidade  de que o Decreto n.º 4.887/03 afrontaria o direito de propriedade do autor - também não tem procedência, em face dos demais direitos postos em discussão na lide. Além de, como visto acima, ser possível a desapropriação por interesse social da terra necessrias), em relação ao direito de propriedade do autor, à luz da proteção especial pela Constituição a esses grupos.
      Ficou comprovado, ademais, que a Comunidade Acauã ocupava antes da construção da Barragem de Poço Branco ambas as margens do Rio Cearávida quanto ao fato de haver a Comunidade sido obrigada, a partir da Barragem, a arrendar terras vizinhas ou se empregar em fazendas da região, perdendo a antiga fonte de atividade de que dispunha antes da inundação. Nem é preciso ir muito longe para constnstituição. Tudo isso leva à conclusão inexorável da necessidade de desapropriação das terras de terceiros, inclusive parte da Fazenda Maringá, a ser procedida pelo INCRA, para possibilitar à Comunidade meios próprios de subsistência, suficientes para o deressada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental" (art. 2.º, § 3.º), entendendo o autor que "A área cuja a [sic] propriedade deve ser reconhecida constitui apenas e tão-somente o território em que comprovadamente, durante a fase imperial qual área a ser demarcada não tem força legal para vincular a Administração, servindo apenas como elemento norteador para a apuração e estabelecimento de quais áreas, e em que quantidades, deverão ser titularizadas ou desapropriadas em respeito ao preceitinclusive porque, nos termos do Decreto, tais peças servirão para devida "instrução processual".
      Rejeitada a suposta inconstitucionalidade ? ou ilegalidade ? formal imputada ao Decreto n.º 4.887/03, cabe agora analisar a motivação do ato impugnado; Portaria foram baseadas em documentos idôneos, a saber: a) certidão de auto-reconhecimento, expedido pela Fundação Cultural Palmares (fl. 898); e b) estudo antropológico, denominado "A Comunidade Quilombola de Acauã (Cunhã, Cunhã Velha)", do Professor Carljeto de delimitação e reconhecimento; b) levantamento das terras atualmente ocupadas pelos integrantes da comunidade; c) publicação do edital para ciência e defesa dos proprietários de terras objeto da delimitação e reconhecimento, bem como dos confinantes - assim como o próprio ato motivado - foi realizada no âmbito do devido processo, e no qual o autor exercitou plenamente o contraditório e a ampla defesa.
      Motivação, para Vladimir da Rocha França, constitui "o discurso que oferece ao destinatário i) o ato jurídico administrativo, o enunciado que se refere a um evento jurídico administrativo previamente tipificado pela lei ou qualificado como relevante pela autoridade administrativa; (ii) a exposição das normas jurídicas que orientaram a autoridade ão de razoabilidade e de proporcionalidade que deve haver entre o motivo do ato e seu conteúdo, diante da finalidade, tratando-se de atos administrativos portadores de mérito".29
      Em relação ao conteúdo da motivação, pode-se destacar: a) a efetiva ois de 4 ha (Acauã Nova); b) as famílias que hoje moram em Acauã receberam como indenização, basicamente, as casas onde residem; c) as propriedades rurais, em ambas as margens do rio, não eram à época cercadas, havendo ocupação do espaço pelos nativos de Ac época não havia cercas; d) está disseminada, na região, sendo de amplo conhecimento dos moradores de Poço Branco, a origem do primeiro morador da Comunidade, José Acauã, como "escravo fugido", e a ligação dos antepassados de Acauã com negros fugidos da esa, etnicamente bem identificado, a partir dos elementos coletados nos autos; g) o grupo se mostra coeso em termos de laços familiares, especialmente através da manutenção de sua identidade, costumes e tradições, como, v.g., os casamentos cruzados entre par.º 91/08, necessária à sua "reprodução social" e subsistência econômica; i) o valor simbólico da terra, para a Comunidade Acauã, não é exclusivo da margem esquerda do rio Ceará-Mirim, mas também o seu lado direito, onde se situam as Fazenda Maringá e Amarenegras rurais que se vêem como remanescentes de quilombo, de origem escrava.    
      Não há qualquer dúvida, portanto, quanto ao fato ? razoável e suficientemente comprovado ? de que, nos termos da Lei, a Comunidade Acauã pode ser considerada remanescecar, quando menos, a forte presença do interesse público, a justificar a necessidade da desapropriação, não tendo o autor, proprietário da terra, logrado produzir elementos de prova capazes de elidir os estudos feitos no procedimento administrativo impugna2.º) deverá ser parte integrante apenas do procedimento administrativo de desapropriação propriamente dito, a ser realizado a posteriori, sendo tal estudo desnecessário para o mero reconhecimento e a delimitação das áreas a serem objeto de expropriação, ta sentença), pertinente à indenizabilidade das terras a serem expropriadas, a qual deve ser respondida favoravelmente à prévia e justa indenização em dinheiro. É que, nada obstante a posição de Daniel Sarmento contra a prévia indenização nos casos de terraslidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvando apenas as exceções expressamente previstas (Constituição, art. 5.º, inciso XXIV). Mas isso não impede de nenhum modo a expropriação, nem implica nulidade ritérios indicados no Decreto n.º 4.887/03 e na Instrução Normativa INCRA n.º 20/05, que regulamentavam a matéria à época dos fatos. Consideram-se remanescentes de quilombolas, por sua vez, os grupos ou comunidades étnico-raciais com trajetória histórica ppor nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, estará presente o interesse público para dar início ao procedimento de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, para fins de realocaçãossibilitar a sobrevivência e desenvolvimento da Comunidade Acauã, não se justificando, à luz dos autos, a declaração de nenhuma nulidade.
      Observado o devido processo, e devidamente motivado o ato administrativo, segundo o Decreto n.º 4.887/03, não  ativo da decisão deste Juízo que denegou a antecipação de tutela (AGTR n.º 90.324, Rel. Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho), até ulterior decisão judicial superior, nos termos da jurisprudência da Corte. Condeno o autor no pagamento das custas processuais (RN), 30 de dezembro de 2011.

JANÍLSON BEZERRA DE SIQUEIRA,
Juiz Federal da 4.ª Vara/RN

1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 256.157 [partes não informadas]. Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. 5 de março de 2002. Diáemanescentes de Quilombos antes da Desapropriação. Página da Procuradoria Geral da República. Disponivel em http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/quilombos-1/documentos/Dr_Daniel_Sarmento.pdf. Acesso em 12 dez. 2011.
3 BRASIL. Justiilson da Silva Pimenta. 14 de maio de 2011. Disponível em http://cpisp.org.br/upload/editor/file/Ord08%20senten%C3%A7a%20maio11.pdf. Acesso em 30 dez. 2011.
4 Idem, idem.
5 O'DWYER, Eliane Catarino. Terra de Quilombos. Apresentação do Caderno Terra de Quou de comprovação biológica. Acesso em: 30 dez. 2011.
6 ARRUTI, José Maurício Andion. A Emergência dos "Remanescentes": Notas para o Diálogo entre Indígenas e Quilombolas. Mana, 3(2):22-23,1997. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/mana/v3n2/2439.pdf. A, como "uma forma de organização social" (cf. MARCONI, Marina de Andrade; e PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia - Uma Introdução. 6.ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 269); vide adiante conceito de Max Weber.
8 Citação do Estudo (WEBER, Max. Economia 62;
10 A obra citada é CASCUDO, Luís da Câmara. A Escravaria na evolução econômica do Rio Grande do Norte. Revista Nova, n.º 1, São Paulo, 15 mar. 1931, p. 62;
11 CLARK, Grahame. A Identidade do Homem - Uma Exploração Arqueológica. Rio de Janeiro: Jorge mid=136. Acesso em 30 dez. 2011. Texto integral disponível em http://www.cpisp.org.br/htm/leis/fed22.htm. Acesso em 30 dez. 2011. A Instrução Normativa INCRA n.º 20/05 foi revogada pela Instrução Normativa n.º 49, de 29 de setembro de 2008.
15 CANOTILHO, o; Agravado: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Relator Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria. 24 de março de 2009. Diário da justiça Eletrônico, 24 dez. 2007. Disponível em: http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualiza João Nascimento Lima; réu: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e outros. Juiz Federal Edmilson da Silva Pimenta. 14 de maio de 2011. Disponível em http://cpisp.org.br/upload/editor/file/Ord08%20senten%C3%A7a%20maio11.pdf. Acesso emação e Reforma Agrária - INCRA. Relator Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria. 24 de março de 2009. Diário da justiça Eletrônico, 24 dez. 2007. Disponível em: http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documentonal de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e outros. Juiz Federal Edmilson da Silva Pimenta. 14 de maio de 2011. Disponível em http://cpisp.org.br/upload/editor/file/Ord08%20senten%C3%A7a%20maio11.pdf. Acesso em 30 dez. 2011.
17 No mesmo sentido, Aurél Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 97-107.
19 Cf. S. James Anaya. Indigenous Peoples in International Law. 2 nd. Ed. New York: Oxford University Press, 2004, p. 90.


domingo, 15 de janeiro de 2012

IDEMA-RN CUMPRE ORDEM JUDICIAL COM ATRASO

Depois de muita luta durante o período do recesso judiciário, finalmente a decisão liminar que determinava a apreciação do cadastramento do Pescador José Maria do Nascimento foi cumprida pelo IDEMA apenas em 10/01/2012.
O autor do Mandado de Segurança somente retornou as atividades laborais em 11/01/2012, trinta e cinco dias depois de ter sido suspenso arbitrariamente.
José Maria é proprietário da embarcação SOL E MAR e foi suspenso em 05/12/2011, com base em "denúncias da comunidade" de que ele não seria o verdadeiro proprietário, mas mero "laranja" da janga-lancha.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

CONTINUAÇÃO DA LIMINAR DO PESCADOR DE MARACAJAÚ-RN

Inicialmente, convém individualizar o ato administrativo tido por abusivo, qual seja, o "Resultado da Seleção de Pescadores de Maracajaú para Desenvolver Atividades de Visitação Turística e Mergulho nos Parrachos de Maracajaú - APARC - 2011" (fl. 51). 

Referido ato constitui-se em edital convocando pescadores habilitados e noticiando que 07 pedidos de inscrição tiveram sua apreciação suspensa por recomendação do Ministério Público. Ou seja, não houve propriamente indeferimento por parte do Órgão Ambiental em relação ao pedido formulado pelo Impetrante, mas sim suspensão da análise do mesmo, até que fossem apuradas as suspeitas de utilização dos pescadores requerentes como laranjas de terceiros, que seriam os efetivos proprietários da embarcações.

Sendo assim, rejeita-se a linha de argumentação da digna representante do Ministério Público, no sentido de que não haveria direito líquido e certo já que a prova da aquisição e propriedade da embarcação demandaria dilação probatória.

Não se trata, em absoluto, de se aferir em sede do presente mandamus se o pescador impetrante é ou não proprietário da embarcação ou reúne condições financeiras para tal, mas sim se o ato administrativo que suspendeu a análise do seu pedido baseado em mera suspeita se apresenta ilegal ou abusivo.

A aferição da propriedade da embarcação pelo pescador requerente é prerrogativa do órgão ambiental, em atendimento ao que dispões a Portaria nº 275/2011, em seu art. 1º, II (fl. 33), não cabendo ao Poder Judiciário, em sede de mandado de segurança, se substituir ao Poder Executivo e realizar o juízo de valor nesse sentido, notadamente quando não houve ato administrativo a respeito da matéria.

Em síntese, a presente decisão liminar não afirma ou nega que o pescador impetrante seja o real proprietário da embarcação, limitando-se a analisar a fundamentação do ato administrativo que suspendeu a analise de seu pedido dirigido ao órgão ambiental competente.

Com esses esclarecimentos, rejeita-se o douto parecer ministerial preliminar que opina pela extinção do mandado de segurança por ausência de direito líquido e certo.

A documentação colacionada pelo impetrante é suficientemente abrangente a ponto se satisfazer os requisitos legais da prova pré-constituída no âmbito do mandado de segurança, bem como o direito líquido e certo à efetiva apreciação de seu pedido pelo órgão ambiental encontra-se sobejamente demonstrado, conforme será, a seguir, objeto de fundamentação.

Quanto ao mérito, nota-se que o ato administrativo objeto da impetração limitou-se a cumprir recomendação do Ministério Pùblico no sentido de "suspender os pedidos sobre suspeita, com base em denúncias da comunidade, que entregou lista indicando nomes ao IDEMA" (fl. 52).

Aí reside a ilegalidade do ato, em suspender a análise de pedidos aleatoriamente, com base no que o Ministério Público qualificou como "denúncias da comunidade".

Não há a indicação clara de quem tenha formulado as denúncias, qual seja o teor, nem sequer se as mesmas forma objetos de prévia análise quanto à sua mínima razoabilidade.

Contrariamente, optou-se por acolher na íntegra as tais "denúncias da comunidade" e a partir delas alijar os pescadores do exercício da atividade turística no auge da alta estação, com potencial de causar-lhes prejuízos irrecuperáveis, se após as investigações concluir-se pela falta de fundamento das denúncias.

O procedimento é flagrantemente abusivo, diante da ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da publicidade e da isonomia. 

Não foi oportunizado aos pescadores, cuja propriedade das embarcações é objeto de suspeita, o pleno conhecimento do teor das "denúncias da comunidade" contra os mesmos dirigida, assim como não foram esclarecidos os critérios objetivos para o acolhimento de tais denúncias.

Por outro lado, não houve isonomia por parte do órgão ambiental em submeter todos os requerentes à mesma sindicância quanto à efetiva propriedade das embarcações inscritas para obter a autorização da exploração da atividade turística.

Diante da inobservância dos princípios constitucionais destacados, colhe-se que não há razoabilidade na postura adotada pela Administração Pública ao delegar à "comunidade", anonimamente, a 
sindicância sobre requisitos objetivamente definidos pela Portaria nº 275/2011, favorecendo, com base em tais critério ocultos, determinados pescadores chancelados pela "comunidade" e prejudicando outros que não obtiveram tal aprovação social.

Contrariamente, caberia ao órgão ambiental, de forma isonômica, aferir em relação a cada um dos pescadores inscritos a satisfação aos critérios definidos pela Portaria nº 275/2011, dentre os quais se insere a propriedade efetiva da embarcação.

Ao não agir dessa forma, e optar por simplesmente suspender a análise dos pedidos apresentados pelos pescadores alvo das suspeitas da comunidade, o órgão ambiental relegou os mesmos a um verdadeiro limbo jurídico, no qual não, muito embora não tenham seu cadastramento indeferido, não podem explorar a atividade turística pretendida.

Urge, portanto, que o IDEMA se pronuncie conclusivamente em relação ao pedido de cadastramento formulado pelo impetrante, deferindo-o ou não, fundamentadamente e em prazo razoável, com vistas a evitar maiores prejuízos durante a alta estação turística.

Por fim, conforme destacado no início da presente fundamentação, não se cogita de substituição da autoridade administrativa pela judicial, não sendo de se deferir o cadastramento da embarcação, conforme pretende o impetrante, mas sim de determinar ao IDEMA que CESSE A SUSPENSÃO DO PEDIDO DE HABILITAÇÃO e efetivamente o aprecie, cabendo ao órgão ambiental deferir ou não o pedido do impetrante com base nos critérios definidos pela legislação que disciplina a matéria.

Isto posto, nos termos do art. 7º, III, da lei n° 12.016/2009, concedo em parte a liminar requerida para tornar sem efeito em relação ao impetrante o ato administrativo do DIRETOR GERAL DO IDEMA (fl. 51) que suspendeu a análise do pedido formulado pelo pescador JOSÉ MARIA DO NASCIMENTO (embarcação SOL E MAR) de autorização para desenvolver atividade de visitação turística e mergulho nos Parrachos de Maracajaú.

Determino que o IDEMA, no prazo de três dias úteis, efetivamente aprecie o pedido de autorização formulado pelo impetrante, utilizando-se dos mesmos critérios adotados em realação aos demais pescadores que tiveram seu cadastramento deferido, notadamente à luz dos requisitos estabelecidos pela Portaria nº 275/2011, de 01/11/2011. 

Intima-se com urgência a autoridade apontada como coatora afim de que dê cumprimento integral à presente decisão, advertindo-a que nos termos do art. 26 da Lei 12.016/2009, constitui crime de desobediência na forma do art. 330, do CP o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei nº 1.079/1950, quando cabíveis.

Distribua-se o feito ao Juízo competente, no âmbito do qual será NOTIFICADA a autoridade apontada como coatora a fim de que preste as informações cabíveis no prazo de dez dias, na forma do art. 7º, I, da lei nº 12.016/2009, bem como conceder-se-á VISTA dos autos ao Ministério Público pelo prazo de dez dias para emissão de parecer conclusivo.

Natal/RN, 30 de dezembro de 2011.



Otto Bismarck Nobre Brenkenfeld
Juiz de Direito - Plantão do Recesso Judiciário 30/12/2011
































domingo, 1 de janeiro de 2012

LIMINAR FAVORECE PESCADOR DE MARACAJAÚ

Em liminar apreciada no penúltimo dia 30/12/11, o Juiz da 4ª Vara Cível de Natal, Dr. Otto Bismarck, em plantão do recesso judiciário proferiu DECISÃO INTERLOCUTÓRIA (LIMINAR) em Mandado de Segurança impetrado pela Assessoria Jurídica da Associação do Turismo de Base Comunitária de Maracajaú, prestada pela Organização Mutirão.

 

Segue a decisão na íntegra:
Processo nº 138125-30.2011.8.20.0001
Ação: Mandado de Segurança
Impetrante: JOSE MARIA DO NASCIMENTO
Impetrado: DIRETOR GERAL DO IDEMA


DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Vistos etc.,
Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Diretor Geral do IDEMA tendo por finalidade afastar os efeitos da suspensão da análise do pedido de autorização para que a embarcação do impetrante desenvolva atividade turística de visitação aos recifes de corais na Praia de Maracajaú.

Nos termos da impetração e da documentaçao que a instrui, referida suspensão teve por fundamento recomendação do Ministério Público, originada em suspeitas de que alguns dos pescadores requerentes seriam na verdade "laranjas" de terceiros.

Intimado a se manifestar, o IDEMA corrobora a informação no sentido de que seu ato teve por fundamento a recomendação do Ministério Público.

O Ministério Público, por sua vez, sustenta que não direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segurança, haja vista que a condição de efetivo proprietário da embarcação demanda instrução probatória incompatível com o rito do writ. 

É o relatório.

Continua na postagem seguinte.





Ministério Público do RN Opina Contra Pescador de Maracajaú

O Ministério Público do Rio Grande do Norte, por intermédio da Promotora de Justiça titular da 5ª Promotororia de Justiça de Natal, apresentou parecer desfavorável ao Pescador José Maria do Nascimento em Mandado de Segurança que tramita 2ª Vara de Fazenda Pública, de Natal-RN.





Zé Maria objetiva afastar os efeitos da suspensão da sua embarcação Sol e Mar, publicada em 05/12/2011, na sede do Ecoposto em Maracajaú. A suspensão do pescador e mais outros seis proprietários de embarcaçoes é fundamentada em "denúncias da comunidade" e nasceu após reuniao entre o IDEMA e o Ministério Público.


A Promotora Mariana Rebello entendeu que "o pedido formulado em sede de Mandado de Segurança carece de dilação probatória, poir o cerne da questão reside em confirmar se o impetrante de fato é o propietário da embarcação cadastrada ou se está servindo de "laranja", segundo denúncia da própria comunidade (...)".

Com o parecer do Ministério Público, o processo segue concluso para decisão liminar que será proferida pelo juízo de plantão do dia 30/12/2011, em face do recesso do Poder Judiciário.