II - PRELIMINARMENTE:
DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO
Data vênia, Excelências, a Justiça Estadual é incompetente para processar e julgar
o feito, tendo em vista que a área em litígio se trata de terra
tradicionalmente ocupada pelo Povo Potiguara. Nesse caso, aplica-se a regra do
art.109, XI c/c art. 231 da Constituição Federal, que determinam:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
XI - a disputa sobre direitos
indígenas.
Art. 231. São reconhecidos aos índios
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 4º - As terras de que
trata este artigo são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre
elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a
remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad
referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno
imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União,
segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção
direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto
às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. (grifamos).
O despacho de fl. 186, de 12/04/11, determinou que a FUNAI fosse
oficiada para dizer se efetivamente as terras em disputa se tratavam de terras
indígenas. A FUNAI respondeu através do ofício
nº 453/DPT FUNAI, de fls. 197-200. A Diretora de Proteção Territorial da
FUNAI, Maria Auxiliadora Cruz de Sá Leão assinou o aludido documento de 04
(quatro) laudas. No entanto, o juízo a
quo apenas utilizou cinco linhas, sendo duas na fl. 197 e três na fl. 198,
devidamente destacados por marca-texto laranja pelo apelado, que passamos a
transcrever:
Até
o momento não existem terras indígenas declaradas no Município de Baía Formosa,
no estado do Rio Grande do Norte. (fl. 197).
Informamos
que as reinvindicações formalizadas são cadastradas no Sistema de Terras
Indígenas da FUNAI e que, até o momento, não há reivindicação no Município em
comento cadastrada. (fl. 198).
Data máxima vênia, Excelências, mas
parece que o Juízo da Comarca de origem não leu o documento (ofício 453/DPT FUNAI) integralmente, ou então
foi induzido pelo marca texto de cor forte, senão vejamos:
(...)
Contudo, tal fato não afasta a hipótese de existirem terras ocupadas por povos
indígenas e que merecem proteção seja como terra tradicional (art. 231 da
Constituição Federal) ou como terras reservadas (Lei 6001/73). (fl. 197)
(...)
Não obstante, temos notícias de
indígenas que levaram a conhecimento de servidores da Coordenação Regional da FUNAI
em Fortaleza sobre retomadas indígenas de seus territórios e sobre ameaças por parte de especuladores
imobiliários, sem contudo proceder à formalização da reivindicação.
Vale destacar que, o ofício de fls. 197-200, destacado com marca texto laranja em cinco
linhas foi anexado aos autos pelo apelado, conforme petição de fls.
192-193, nos seguintes termos:
Com vistas a
obter uma resposta mais célere ao Ofício encaminhado à FUNAI, o Autor logrou
obter copia do referido expediente que já foi encaminhado a este Juízo (cópia
anexa).
O
oficio explica, em sua maior parte, como os Povos Indígenas devem proceder a
sua qualificação junto ao Sistema de Terras Indígenas da FUNAI. Porém, no que
se refere aos apelantes, o ofício é claro e expresso: temos notícias de indígenas sobre ameaça por parte de especuladores.
Fundamental nesse momento, Excelências, é a elaboração de um estudo
antropológico, tendo em vista que os apelantes se autodeclaram indígenas da
Etnia Potiguara. Nesse sentido, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho –
OIT, com força de lei ordinária segundo o mandamento previsto no §2º, do art.
5º, da CF, diz a quem
se aplica e trata a consciência da identidade indígena como critério
fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam a Convenção, senão
vejamos:
Artigo
1º.
1. A
presente convenção aplica-se:
b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de descenderem de
populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na
época da conquista ou da colonização do estabelecimento das atuais fronteiras
estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas
próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte
delas.
2. A consciência de sua identidade indígena
ou tribal deverá ser considerada como
critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam a disposição
da presente Convenção.
Na época em que foi arguida a
exceção de incompetência a FUNAI havia acabado de passar por um processo de
reestruturação, consequência da publicação do Decreto nº 7.056, de 28/12/2009. Antes da reestruturação a
responsabilidade pelos índios do Rio Grande do Norte cabia à extinta
Administração Executiva da FUNAI em João Pessoa/PB. Com a reestruturação
criaram as Coordenações Regionais e as Coordenações Técnicas Locais, CTL,
inclusive a do Rio Grande do Norte.
Após decisão rejeitando a Exceção de
Incompetência argüída pelos apelantes, a FUNAI foi representada no Ministério
Público Federal no Rio Grande do Norte pelos indígenas, que pleitearam:
a) A intervenção desta Procuradoria dos Direitos do Cidadão do
Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte na defesa dos direitos
territoriais da Comunidade Potiguara de Sagi/Trabanda, com fundamento no art.
231 da CF de1988;
b) Que o ilustre representante do MPF se reúna com a Comunidade de
Sagi/Trabanda na própria comunidade para fins de promove a inspeção da área em
litígio, bem como, ouvir os argumentos dos Potiguaras;
c) Que a FUNAI seja RECOMENDADA a instaurar o PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA
SAGI TRABANDA.
A petição de representação foi
protocolada em 18/08/2011, sendo
autuada como Procedimento Administrativo em 29/08/2011. Em 17/05/2012, o Procedimento Administrativo foi convertido em Inquérito
Civil Público, autuado sob o número 1.28.000.001078/2011-76
– PRDC, cuja cópia segue em anexo. Vale destacar e transcrever parte do
ofício nº 472/CGID/2011 (fls 158-160 do
Inquérito Civil Publico acima citado) enviado ao Procurador Chefe da FUNAI e ao
Coordenador Regional de Fortaleza:
Assunto:
processo que envolve a comunidade
indígena Potiguara de Sagi no município de Baía Formosa.
1. Cumprimentando-o,
encaminhamos o Memorando nº 699/2011/CRF/CE/FUNAI, o qual “solicita informações
da manifestação da FUNAI acerca do referido processo, reforçando a necessidade da FUNAI intervir junto a esse processo,
requerendo o declínio de competência do Poder Judiciário do Estado do Rio
Grande do Norte em tratativas que envolvam tal comunidade indígena”. Em
anexo ao Memorando 699 está à decisão proferida em referencia ao Processo nº 0001772-71.2007.8.20.0114
(ação de reintegração de posse proposta por WALDEMIR BEZERRA DE FIGUEIREDO em
face de Ailton de Araújo e outros), declinando o pedido de incompetência.
2. A situação da
área reivindicada, objeto de ação de reintegração de posse, já havia sido
abordada pelo Ofício nº 453/DPT, de 28/06/11, à Juíza de Direito da Vara Única
da Comarca de Canguaretama (...). O
referido Ofício DPT bem pontuou o interesse no acompanhamento do feito ante a
possibilidade de tratar-se de terra indígena, conforme citação a seguir:
Com
objetivo de compreender a situação das reivindicações no Rio Grande do Norte, a
FUNAI está elaborando um planejamento para estudo, visando qualificar as reivindicações
cadastradas, a fim de resguardar as áreas de comunidades indígenas. Assim, manifestamos o interesse em acompanhar o
litígio em questão, cuja possibilidade de incidência sobre área de
reivindicação indígena é indicada. Ao que consta, conforme informação da Coordenação Regional, haveriam representantes
indígenas envolvidos na disputa judicial na condição de demandados.
(....)
Dessa forma, ante ao evidente
interesse coletivo indígena, solicitamos que a PFE FUNAI atue no feito, tendo em vista os registro e qualificação
da reivindicação, indicando tratar-se potencialmente de área de ocupação
tradicional Potiguara.
Analisando
os autos do Inquérito Civil Público PRDC (em anexo), nos deparamos as fls.
174-175 com o ofício nº 547/DPT/2012, endereçado ao Procurador Federal Ronaldo
Sérgio Chaves Fernandes, que tem como assunto “informações acerca da comunidade indígena Potiguara de Sagi
(RN), cujos trechos passamos a transcrever:
(...)
5. Informamos também que a Diretora de Proteção Territorial desta Fundação, em
resposta ao ofício nº 0001772-71.2007.8.20.01440-0-00, de 08 de junho de 2011,
reportou-se por meio do Oficio nº 453, de 28 de junho de 2011, a vara única da
Comarca de Canguaretama-RN quanto a ação de reintegração de posse nº
0001772-71.2007.8.20.0114, manifestando
interesse em acompanhar o litígio em questão, cuja possibilidade de incidência
sobre área de reivindicação indígena foi indicada. (fl. 175,
Inquérito Civil Público nº1.28.000.001078/2011-76, PRDC, MPF/RN – em anexo)
Ora, Excelências, se há interesse da
Fundação Nacional do Índio – FUNAI em acompanhar o litígio, então está
configurado o interesse da União. Assim sendo, os autos devem ser remetidos
imediatamente, data vênia, para o juízo competente, qual seja, uma das varas da
Justiça Federal, Seção Judiciária do RN. Assim sendo, todos os atos praticados
pelo juízo incompetente devem ser declarados nulos a partir do incidente de
arguição de incompetência absoluta.
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